O tempo de Gil: despedida de Gilberto Gil em São Paulo tem clima de celebração

Ao longo de mais de seis décadas de carreira, Gilberto Gil percorreu os principais movimentos da música brasileira. Liderou a Tropicália, reinventou-se na MPB, dialogou com o reggae e, em diferentes momentos, aproximou-se do rock e do samba, sempre celebrando as matrizes africanas na cultura brasileira. Entre 2025 e 2026, aos 83 anos, Gil se despede dos palcos e encerra a fase de turnês de sua trajetória.

A Alpha FM acompanhou de perto esse momento histórico no Allianz Parque, em São Paulo, palco da apresentação final da turnê Tempo Rei na cidade. A série de shows já havia passado por solo paulistano neste ano, com quatro datas esgotadas em abril, retornando ao estádio do Palmeiras para mais duas apresentações nos dias 17 e 18 de outubro.

No último show paulistano da turnê, o Allianz Parque estava lotado. Milhares de pessoas, de todas as idades, reuniram-se para celebrar a música e se despedir de Gilberto Gil — que reafirmou sua eternidade na história da música brasileira no show do dia 18.

Sob um show de fogos, Gilberto Gil abriu a apresentação com “Palco”, lançada em 1981 no álbum A Gente Precisa Ver o Luar. O cenário trazia uma grande espiral de LED ao centro.

 Acompanhado por uma banda completa — formada em parte por familiares — Gil reforçou o caráter afetivo da turnê. A guitarra ficou a cargo do neto João Gil, enquanto uma das vozes de apoio era de sua filha Nara Gil. Entre uma música e outra, o compositor fez questão de apresentar cada integrante, que traziam uma rica variedade instrumental ao palco: sopros (trombone e saxofone), cordas friccionadas, percussões e tambores. Em um dos momentos mais emocionantes da noite, Gil homenageou Preta Gil, falecida em julho deste ano, após ouvir o coro da plateia cantar seu nome:

Pretinha, onde quer que esteja — ou não esteja — já esteve. E no ter estado conosco, estará sempre conosco.

A apresentação também reservou espaço para memória. “Cálice” foi introduzida por Chico Buarque, que apareceu nos telões relembrando a repressão sofrida por artistas durante a ditadura. Composta em 1973 por ambos, a canção só pôde ser lançada oficialmente em 1978 devido à censura. Durante a música, os telões exibiram imagens do período e fotos de presos políticos, como Vladimir Herzog e Rubens Paiva.

 O ponto mais surpreendente da noite, porém, veio com a entrada surpresa de Roberto Carlos. Recebido sob aplausos intensos, o cantor dividiu o palco com Gil em “A Paz”, de autoria do baiano, e, em seguida, os dois emendaram “Além do Horizonte”, clássico de Roberto. 

 O repertório alternou momentos de introspecção e leveza. Gilberto Gil apresentou “Se Eu Quiser Falar Com Deus” e “Drão” apenas com violão e banda, em arranjos que privilegiaram a condução vocal e a dinâmica do grupo.

 O espetáculo caminhou então para um desfecho de clima mais festivo. “Aquele Abraço”, composta em 1969 e lançada durante o exílio do artista em Londres — período marcado pela perseguição da ditadura militar — foi incluída no encerramento como referência à trajetória do compositor.

 A apresentação terminou com “Toda Menina Baiana” (1979), sob chuva de confete. O público permaneceu no estádio mesmo com a chuva fina e o vento, acompanhando Gil até os últimos acordes nessa despedida de São Paulo — marcada pelo clima de celebração de um legado imensurável que infiltra a história da cultura popular brasileira.

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