Uma entrevista gravada no início da década de 1990 e contida no documentário “Supersonic” (2016) mostra Noel Gallagher dizendo a seguinte frase sobre o Oasis: “A nossa música vai resistir ao teste do tempo, isso é um fato”. Foi exatamente isso que a banda provou durante a primeira apresentação no Brasil em 16 anos, em São Paulo, no Estádio MorumBIS, no último sábado (22), como parte da turnê de reunião “Oasis Live ’25” – anunciada em agosto de 2024.
O disco mais recente, “Dig Out Your Soul”, saiu em 2008, pouco antes do término das atividades no ano seguinte. Sendo assim, há muito tempo, o Oasis não lança músicas novas e, ao que parece, sequer tem planos nesse sentido.
Mas o show é muito mais do que meramente nostalgia ou reprodução do passado: a performance mostrou o poder da música do Oasis em conectar gerações e permanecer atual. Cada uma das 70 mil pessoas presentes, que incluíam brasileiros de diferentes cantos do país e até estrangeiros das mais variadas idades, aproveitou intensamente as duas horas de espetáculo. Um catálogo poderoso e uma boa história realmente resistem ao tempo, coisas que o Oasis tem de sobra.
Richard Ashcroft ficou responsável pela abertura. Amigo próximo dos irmãos Gallagher, o ex-vocalista do The Verve, grande nome do britpop, caiu como uma luva ao tocar sucessos como “Lucky Man” e “Bitter Sweet Symphony”, dedicada a Gary ‘Mani’ Mounfield, ex-baixista do The Stone Roses, que morreu na última quinta-feira (20). Em set de aproximadamente 45 minutos iniciado às 19h45, o artista, vestindo uma jaqueta brilhante prata, movimentou-se por todo palco, fazendo passos de dança, e, a todo instante, movimentos de abraço em interação com a plateia. “Amor e paz sempre, música é poder”, finalizou.
Então, aproximadamente às 21h05, as caixas de som soltaram “Fuckin’ in the Bushes” e os telões imponentes mostraram uma série de colagens que comprovavam: é real, o Oasis realmente está de volta, ainda que seja inacreditável. “Isso não é uma simulação”, “As estrelas se alinharam”, “Isso está acontecendo” e “A longa espera acabou” foram algumas das frases que apareceram.
Logo, em meio às imagens, Paul “Bonehead” Arthurs (guitarra), Gem Archer (guitarra), Andy Bell (baixo) e Joey Waronker (bateria), junto dos músicos de apoio, entraram no palco, seguidos de Noel e Liam de mãos dadas, cena tão comum nos últimos meses e tão improvável nas últimas décadas diante da série de conflitos entre os dois. “Oasis vibes in the area, São Paulo vibes in the area”, disse Liam, arrancando gritos histéricos da multidão, na primeira interação da noite.
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“Hello”, que, segundo especulações ficaria de fora do setlist do giro, iniciou o espetáculo da melhor maneira possível. Afinal, não teria forma mais emblemática de começar a performance do que com uma música que resume tudo ao afirmar: “Olá, é bom estar de volta.”
De início, já é notável que Liam ainda é o mesmo. Canta com as mãos para trás, cabeça erguida e assume uma postura de superioridade magnética, que o torna tão singular e, justamente, amado. Ao longo da performance, o vocalista, de óculos de sol e com o típico pandeiro e maracas, colocados até na cabeça ou na boca, proferiu frases soltas carregadas com seu sotaque inglês, que divertiram os admiradores. “Vocês estão adoráveis, deslumbrantes, brilhantes”, elogiou.
Por sua vez, Noel parecia genuinamente feliz e, em certas ocasiões, emocionado. Concentrado e sorridente, o guitarrista observava de maneira atenta o público, sempre do lado de um Bonehead vestido com camisa da seleção brasileira – até então afastado dos compromissos na estrada devido ao tratamento de um câncer. Gallagher já disse que o colega era como a “cola que mantinha todos unidos” e é visível sua gratidão pela presença do músico, parte da formação original.
Como esperado, o setlist não teve novidades: foram tocadas as 23 músicas executadas anteriormente. Apesar dos pedidos, “Stop Crying Your Heart Out”, cantada pelos presentes antes do encore, “Don’t Go Away” e “Lyla” permanecem esquecidas.
Dentre os destaques, estiveram hits como “Morning Glory”, com muitos pulos do público, “Cast No Shadow”, dedicada para Ashcroft, e “Stand By Me”, marcada por Liam interagindo diretamente com a câmera e mandando o que pareceu um “obrigado” em português . Ainda, “Don’t Look Back in Anger”, com o público mostrado nos telões em cena emocionante e cantando parte da canção sozinho em deixa de Noel, que aparentemente falou um “chama” em português antes da performance.
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Em “Live Forever”, além de um dos coros mais altos da noite e de muitas lágrimas derramadas, sobrou espaço para uma homenagem a Gary ‘Mani’ Mounfield. Liam dedicou a faixa ao saudoso colega, chamado de “herói”, cuja imagem apareceu no telão.
Outros momentos marcantes estiveram em “Cigarettes and Alcohol”, em que o cantor pediu o famoso Poznan, no qual o público virou de costas para o palco e abraçou um ao outro, jogando muitas cervejas para o alto, e “Half the World Away”, em que o guitarrista deixou que os fãs soltassem a voz à capela. Claro, não dá para não mencionar “Rock and Roll Star”, com sinalizador no meio da pista, e o grande sucesso “Wonderwall”, em que todos seguiram a tradição e ligaram as lanternas dos celulares, iluminando o estádio, tomado pela empolgação. “But I don’t speak brazilianish“, brincou Liam na letra.
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Também houve mais calmaria e reflexão, em faixas comandadas por Noel como “Talk Tonight”, canção dedicada para as mulheres na qual foi ovacionado, e “The Masterplan”, em que o guitarrista aproveitou para introduzir a banda. Em ambas, o público também acendeu as lanternas dos celulares.
O encerramento ficou por conta de “Champagne Supernova”, em que fogos inundaram o MorumBIS, trazendo ainda mais simbolismo para a noite. “Pessoas lindas do Brasil, permaneçam verdadeiras e seguras. Obrigado por continuarem com a gente. Amamos vocês”, afirmou Liam.
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O clima de celebração, festa e torcida de futebol – alimentado pela paixão dos irmãos Gallagher pelo esporte e pelo Manchester City, com direito a um totem do técnico Pep Guardiola no palco – já havia perdurado durante toda a apresentação, mas, ali, era ainda mais concreto, em meio às luzes no céu e aos gritos de quem sabia o peso da união.
“As pessoas nunca se esquecem de como você as fez se sentir”, pontuou Noel em declaração presente no livro da turnê de reunião. Dá para dizer, sem dúvida, de que sentimentos proporcionados por shows assim são inesquecíveis, seja para quem acompanhou o Oasis em todas as suas passagens anteriores pelo Brasil, em 1998, 2001, 2006 e 2009, ou, agora, pela primeira vez, realizando um sonho antigo ou tendo recém-descoberto o grupo.
A própria banda sinaliza em “Don’t Look Back in Anger”: “Não coloque sua vida nas mãos de uma banda de rock ‘n’ roll”. Bem, 70 mil pessoas não seguiram essa regra hoje e, com certeza, estão felizes pela escolha.
Setlist
- Hello
- Acquiesce
- Morning Glory
- Some Might Say
- Bring It On Down
- Cigarettes & Alcohol
- Fade Away
- Supersonic
- Roll With It
- Talk Tonight
- Half the World Away
- Little by Little
- D’You Know What I Mean?
- Stand By Me
- Cast No Shadow
- Slide Away
- Whatever
- Live Forever
- Rock ‘n’ Roll Star
- The Masterplan
- Don’t Look Back in Anger
- Wonderwall
- Champagne Supernova


