Neste ano, Chico Buarque revelou na série “O canto livre de Nara Leão” que deixará de cantar a música “Com açúcar, com afeto”, gravada por Nara Leão em 1967. A letra fala de uma mulher submissa ao marido e por esse motivo, recebeu críticas. “Naquela época não passava pela cabeça da gente que isso era uma opressão, que a mulher não precisa ser tratada assim”, explicou o músico.
Canções como essa recebem análises minuciosas do projeto “Música Machista Popular Brasileira”. Criado em 2017 por Lilian Oliveira, Rossiane Antúnez, Carolina Tod e Nathália Ehl, o perfil lista faixas com temas problemáticos, muitas vezes não percebidos ou ignorados.
“Queríamos criar um projeto que nos satisfizesse criativamente e que tivesse alguma entrega para a sociedade. O maior intuito é provocar reflexão. Só mostrar a música não seria uma opção, a gente tem que pegar pela mão mesmo, explicar o porquê é machista e dar um contexto, trazer notícias, bibliografia. Temos o trabalho de dar argumentos que façam sentido e embasamos o máximo possível, para não ficar uma discussão vazia de achismos”, conta a redatora publicitária Lilian, de 32 anos.
Inicialmente, o próprio time do MMPB realizava a seleção de músicas, pedindo a opinião de amigos e da família. Porém, quando a iniciativa cresceu, as meninas começaram a receber diversas sugestões do público. Atualmente, há um espaço no site específico para os leitores deixarem suas contribuições.
“Teve gente que entendeu, aplaudiu e gostou, mas também recebemos um email de ameaça para tirar o site do ar”, relembra. O sucesso do MMPB, segundo a publicitária, está na forma acessível de abordar assuntos complexos. “Uma linguagem mais fácil aproxima as pessoas da discussão. A música é um meio de estudo mais gostoso de se aprender esse assunto amargo”.
O estudo executado reflete a situação da indústria fonográfica, predominantemente composta por homens. Como mostra a pesquisa de 2019 “Mulheres na Indústria da Música no Brasil: Oportunidades, Obstáculos e Perspectivas”, realizada pela Data SIM, 84% das mulheres do setor musical sofreram discriminações devido ao seu gênero. “Acho que a gente já vem conquistando mais espaço no quesito intérpretes, mas o cenário musical não é só feito disso e é aí que mora o problema. Precisamos de mais mulheres produtoras, mais mulheres instrumentistas e em todas as camadas do processo”, finaliza Lilian.