O Dia Nacional da Poesia é comemorado nesta quinta-feira (31). A data celebrativa entrou para o calendário brasileiro em 2015 após a aprovação de uma lei que definia o nascimento do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) como seu marco.
Neste ano, a efeméride vem com uma pitada de tristeza, já que há pouco mais de uma semana morreu o poeta Antonio Cicero, aos 79 anos. O carioca foi também um notável letrista para músicos da “MPB”, impulsionado pela cantora Marina Lima, sua irmã.
Cicero faleceu no último dia 23, três dias após o Dia Nacional do Poeta, outra data dedicada à arte em versos. O corpo do artista vai, mas felizmente sua obra fica. Em 4 de julho deste ano, um evento na Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro, da qual Antonio Cicero fazia parte, glorificou sua obra poética.
Ao lado de outro acadêmico, o romancista baiano Antônio Torres, Cicero leu por cerca de meia hora mais de 40 poemas próprios. Eram produções contidas nos livros Guardar (1997), A cidade e os livros (2002), Porventura (2012), entre outros.
Em homenagem a Antonio Cicero e ao Dia Nacional da Poesia, linkamos abaixo o vídeo das leituras e, em seguida, cada um dos textos para deleite particular dos nossos leitores.
A CIDADE E OS LIVROS
O Rio parecia inesgotável
àquele adolescente que era eu.
Sozinho entrar no ônibus Castelo,
saltar no fim da linha, andar sem medo
no centro da cidade proibida,
em meio à multidão que nem notava
que eu não lhe pertencia – e de repente,
anônimo entre anônimos, notar
eufórico que sim, que pertencia
a ela, e ela a mim -, entrar em becos,
travessas, avenidas, galerias,
cinemas, livrarias: Leonardo
da Vinci Larga Rex Central Colombo
Marrecas Íris Meio-Dia Cosmos
Alfândega Cruzeiro Carioca
Marrocos Passos Civilização
Cavé Saara São José Rosário
Passeio Público Ouvidor Padrão
Vitória Lavradio Cinelândia:
lugares que antes eu nem conhecia
abriam-se em esquinas infinitas
de ruas doravante prolongáveis
por todas as cidades que existiam.
Eu só sentira algo semelhante
ao perceber que os livros dos adultos
também me interessavam: que em princípio
haviam sido escritos para mim
os livros todos. Hoje é diferente,
pois todas as cidades encolheram,
são previsíveis, dão claustrofobia
e até dariam tédio, se não fossem
os livros infinitos que contêm.
A HORA CERTA
Certas coisas acabam na hora certa:
mas essas são tão raras;
pois quase todas as coisas se enterram
bem antes de acabadas,
esboços de si mesmas, ou então
depois da própria morte,
em estado de decomposição:
por exemplo, os amores,
os ideais, a juventude, as vidas
dos animais, dos seres
humanos e dos deuses, os poemas…
Mas viva na memória o que consiga
inesperadamente
chegar ao próprio termo na hora certa.
ÁGUA PERRIER
Não quero mudar você
nem mostrar novos mundos
pois eu, meu amor, acho graça até mesmo em clichês.
Adoro esse olhar blasé
que não só já viu quase tudo
mas acha tudo tão déjà vu mesmo antes de ver.
Só proponho
alimentar seu tédio.
Para tanto, exponho
a minha admiração.
Você em troca cede o
seu olhar sem sonhos
à minha contemplação:
Adoro, sei lá por que,
esse olhar
meio escudo
que em vez de meu álcool forte pede água Perrier.
ALGUNS VERSOS
As letras brancas de alguns versos me espreitam,
em pé, do fundo azul de uma tela, atrás
da qual luz natural adentra a janela
por onde, ao levantar quase nada o olhar,
vejo o sol aberto amarelar as folhas
da acácia em alvoroço: Marcelo está
para chegar. E de repente, de fora
do presente, pareço apenas lembrar
disso tudo como de algo que não há de
retornar jamais e em lágrimas exulto
de sentir falta justamente da tarde
que me banha e escorre rumo ao mar sem margens
de cujo fundo veio para ser mundo
e se acendeu feito um fósforo, e é tarde.
ANTIGO VERÃO
Primeiro a praia, depois uma estreia,
depois o Baixo e, finalmente, a festa
de madrugada, numa cobertura:
e eis que as nuvens a cobrir a lua
e o Corcovado já se dispersavam,
auspiciando uma manhã de praia
para um rapaz que àquela altura era
o derradeiro barco pra Citera.
BALANÇO
A infância não foi uma manhã de sol:
demorou vários séculos; e era pífia,
em geral, a companhia. Foi melhor,
em parte, a adolescência, pela delícia
do pressentimento da felicidade
na malícia, na molícia, na poesia,
no orgasmo; e pelos livros e amizades.
Um dia, apaixonado, encarei a minha
morte: e eis que ela não sustentou o olhar
e se esvaiu. Desde então é a morte alheia
que me abate. Tarde aprendi a gozar
a juventude, e já me ronda a suspeita
de que jamais serei plenamente adulto:
antes de sê-lo, serei velho. Que ao menos
os deuses façam felizes e maduros
Marcelo e um ou dois dos meus futuros versos.
BRASILEIRO PROFUNDO
Um brasileiro profundo é o que sou
Tenho em mim todas as raças e nenhuma
Tenho em mim todos os sexos e nenhum
Tenho em mim todos os deuses e nenhum
CANÇÃO DO AMOR IMPOSSÍVEL
Como não te perderia
se te amei perdidamente
se em teus lábios eu sorvia
néctar quando sorrias
se quando estavas presente
era eu que não me achava
e quando tu não estavas
eu também ficava ausente
se eras minha fantasia
elevada à poesia
se nasceste em meu poente
como não te perderia
CONSEGUI
eis o que consegui:
tudo estava partido e então
juntei tudo em ti
toda minha fortuna
quase nada tudo muitas coisas
numa
só:
eu quis correr esse risco antes de virar
pó:
juntar tudo em ti:
toda joia todo pen drive todo cisco
tudo o que ganhei tudo o que perdi
meu corpo minha cabeça meu livro meu disco meu pânico meu tônico
meu endereço
eletrônico
meu número meu nome meu endereço
físico
meu túmulo meu berço
aquela aurora este crepúsculo
o mar o sol a noite a ilha
o meu opúsculo
meu futuro meu passado meu presente
meio aqui
e meio ausente
meu continente meu conteúdo
e além de todo o mundo
também tudo o que é imundo tudo
o medo e a esperança
algo que fica
algo que dança
o que sei o que ignoro
o que rio
e o que choro
toda paixão
todo meu ser
todo meu não
tudo estava perdido e aí
juntei tudo
em ti
DECLARAÇÃO
Quantas vezes lhe declarei o meu amor?
Declarei-o verbalmente inúmeras vezes
e o declaram todos os meus gestos tendentes
a você: a minha língua, a brincar com o som
do seu nome, Marcelo, o declara; e o declaram
os meus olhos felizes quando o vêem chegar
feito um presente e de repente elucidar
a casa inteira que, conquanto iluminada,
permanecia opaca sem você; e quando,
tendo apagado todas as lâmpadas, juntos,
no terraço, nos consignamos aos traslados
dos círculos do relógio do céu noturno
ou aos rios de nuvens em que nos miramos
e nos perderemos, declaro-o no escuro.
DESEJO
Só o desejo não passa
e só deseja o que passa
e passo meu tempo inteiro
enfrentando um só problema:
ao menos no meu poema
agarrar o passageiro.
DIAMANTE
O amor seria fogo ou ar
em movimento, chama ao vento;
e no entanto é tão duro amar
este amor que o seu elemento
deve ser terra: diamante,
já que dura e fura e tortura
e fica tanto mais brilhante
quanto mais se atrita, e fulgura,
ao que parece, para sempre:
e às vezes volta a ser carvão
a rutilar incandescente
onde é mais funda a escuridão;
e volta indecente esplendor
e loucura e tesão e dor.
DILEMA
O que muito me confunde
é que no fundo de mim estou eu
e no fundo de mim estou eu.
No fundo
sei que não sou sem fim
e sou feito de um mundo imenso
imerso num universo
que não é feito de mim.
Mas mesmo isso é controverso
se nos versos de um poema
perverso sai o reverso.
Disperso num tal dilema
o certo é reconhecer:
no fundo de mim
sou sem fundo.
ECO
A pele salgada daquele surfista
parece doce de leite condensado.
Como seu olhar, o mar é narcisista
e, na vista de um, o outro é espelhado.
E embora, quando ele dança sobre as cristas,
goste de atrair olhares extraviados
de banhistas distraídos ou artistas,
é claro que o mar é seu único amado.
Ei-lo molhado em pé na areia: folgado,
ao pôr-do-sol tem de um lado a prancha em riste,
do outro lado usa uma gata e um brinco e assiste
serenamente ao horizonte inflamado
e a brisa o alisa e enfim ele não resiste
à beleza e diz “sinistro!” e ouve eco ao lado.
ELO
Dizem ser Marcelo mar e céu
Dizem ser vão ser e ser poeta
Só sei que desde que me aconteceu
Esse horizonte azul assim sem reta
Quero ser não o poeta
Ser o verso de Marcelo
Ser a rima de Marcelo
Ser esse elo
Entre ar mar céu nome ser não ser Marcelo
ESSE AMANTE
Não é exatamente que esse amante
pretenda confundir-se com a amada;
o que acontece é que, no mesmo instante
em que, lúcido e lúbrico, prepara,
com circunspecto engenho e arte, a entrega
da mulher, ele saboreia o gesto,
gemido ou tremor que observa, e interpreta
cada sinal de volúpia nos termos
da sua própria carne. Discernir-se
dela, ao olhá-la, e achá-la em si são lados
reversos da mesma moeda. Ei-lo
que, com o fim de seus anseios nos seios
das suas mãos, vê-se compenetrado
e entregue a um gozo que quiçá se finge.
FELICIDADE
Felicidade é esse acaso
Que te faz o que és.
Nada queres dizer.
Nada deves a trabalho
Ou a dever.
Perverso,
Brincas.
Criatura de um só dia
Absoluto,
És festa,
Serás luto.
És festa sonho carne frêmito.
Não mereces este prazer
Nem eu mereço teu amor:
Tudo entre nós é gratuito
E muito
E parte.
Cardumes de sol ao mar,
Quase sem arte,
Quero-te feliz.
GUARDAR
Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela.
Por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro
Do que um pássaro sem vôos.
Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.
HISTÓRIA
A história, que vem a ser?
mera lembrança esgarçada
algo entre ser e não-ser:
noite névoa nuvem nada.
Entre as palavras que a gravam
e os desacertos dos homens
tudo o que há no mundo some:
Babilônia Tebas Acra.
Que o mais impecável verso
breve afunda feito o resto
(embora mais lentamente
que o bronze, porque mais leve)
sabe o poeta e não o ignora
ao querê-lo eterno agora.
LEBLON
O menino olha para o mar:
lá no fundo ele se funde ao céu;
mas atrás há um muro e aquém do olhar
pulsam sangue e morro e mata e breu.
LONGE
A chuva forte, o resfriado
real ou fingido, e eis-me livre
da escola e solto no meu quarto,
nos lençóis, nos mares de Chipre
ou no salão de Ana Pavlovna
ou no de Alcínoo, nas cavernas
de Barabar ou sob a abóbada
de Xanadu; perplexo em Tebas
e pelas veredas ambíguas
do sertão do corpo da língua,
cada vez mais longe de escolas
e de peladas e de bolas
e de promessas de futuros,
é mesmo errático meu rumo.
MERDE DE POÈTE
Quem gosta de poesia “visceral”,
ou seja, porca, preguiçosa, lerda,
que vá ao fundo e seja literal,
pedindo ao poeta, em vez de poemas, merda.
MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA
Fica em Boa Viagem. Disco voador
ele não é, pois não pousou na pedra
mas se ergue sobre ela; nem alça voo:
à orla de cidades e florestas
suspende-se no ar feito pergunta
e o que tem dentro mergulha e se banha
no mundo em volta e o mundo em volta o inunda:
é o museu fora de si, de atalaia
à curva do abismo, à altura das musas,
sobre o mar, sobre a pedra sobre o mar,
e sobre o espelho d’água em que se apura
sobre essa pedra um mar a flutuar,
um céu na terra, quase nada, um aire,
a flor de concreto do Niemeyer.
MURO
E se um poema opaco feito muro
te fizer sonhar noites em claro?
E se justo o poema mais obscuro
te resplandecer mais que o mais claro?
NA PRAIA
Na praia – parece que foi ontem –
ficávamos dentro d’água eu,
Roberto, Ibinho, Roberto Fontes
e Vinícius, a água era um céu,
e voávamos nas ondas trans-
parentes, deslizantes, do azul
mais profundo do fundo ciã
do oceano Atlântico do sul.
Mas era outro século: Roberto
morreu, morreu Vinícius, Roberto
Fontes quase nunca vejo, e Ibinho
casou e mudou. Já não procuro
o azul. Os mares em que mergulho
são os homéricos, cor de vinho.
NIHIL
nada sustenta no nada esta terra
nada este ser que sou eu
nada a beleza que o dia descerra
nada a que a noite acendeu
nada esse sol que ilumina enquanto erra
pelas estradas do breu
nada o poema que breve se encerra
e que do nada nasceu
O FIM DA VIDA
Conheci da humana lida
a sorte:
o único fim da vida
é a morte
e não há, depois da morte,
mais nada.
Eis o que torna esta vida
sagrada:
ela é tudo e o resto, nada.
O PARQUE
À noite ele vai ao parque
entre o mar e a cidade
e o precipício do céu
e o abismo do seu eu.
Com toda amabilidade
ele joga a rede e fere
as águas da noite suave
e colhe o que se oferece:
no sentido do relógio,
as luzes de Niterói,
a escuridão e a Urca
e sobre ela o Pão de Açúcar;
depois, pistas de automóveis
e em meio a certas folhagens
sabe-se lá o que fazem
uns atletas quase imóveis;
o Hotel Glória iluminado
atrás de um bosque no breu;
o monumento, um soldado,
e adiante o museu
e a marina; e depois,
vindo lá do aeroporto
um longínquo odor de esgoto
ofende as damas da noite;
e há vultos à beira-mar
e amantes à meia-luz
e à superfície do mar
um azul que tremeluz
e seu desejo encarnado
na mão de certo moreno
tão cálido e apaixonado
que é louco pelo sereno;
e finalmente o que há
é a via láctea a jorrar
no alto do firmamento
e a seus pés sem fundamento.
O POETA CEGO
Eis o poeta cego.
Abandonou-o seu ego.
Abandonou-o seu ser.
Por nada ser ele verseja.
Bem antes do amanhecer
em seus versos talvez se veja
diverso de tudo o que seja
tudo que almeja ser.
O POETA MARGINAL
Em meio às ondas da hora
e às tempestades urbanas
conectarei as palavras
que trovarão novas trovas.
Lerei poemas na esquina,
darei presentes de grego;
a cochilar com Homero,
farei negócios da China.
Exporei tudo na rede
sem ganhar nem um vintém:
a vaidade, a fome, a sede,
certo truque, rara mágica.
Que não se engane ninguém:
ser um poeta é uma África.
ORÁCULO
Vai e diz ao rei:
Cai a casa magnífica,
O santuário de Apolo;
Fenece o louro sagrado;
A voz da vidente emudece;
As fontes murmurantes se calam para sempre.
Diz adeus adeus.
Tudo erra, tanto
A terra vagabunda quanto
Tu, planetário.
Criança e rei,
Delira e ri:
Meu sepulcro não será tua masmorra.
Alimenta teu espírito também com meu cadáver,
Pisa sobre estas esplêndidas ruínas e,
Se não há caminhos,
Voa.
Voa ri delira
Nessa viagem sem retorno ou fim.
O PAÍS DAS MARAVILHAS
Não se entra no país das maravilhas
pois ele fica do lado de fora,
não do lado de dentro. Se há saídas
que dão nele, estão certamente à orla
iridescente do meu pensamento,
jamais no centro vago do meu eu.
E se me entrego às imagens do espelho
ou da água, tendo no fundo o céu,
não pensem que me apaixonei por mim.
Não: bom é ver-se no espaço diáfano
do mundo, coisa entre coisas que há
no lume do espelho, fora de si:
peixe entre peixes, pássaro entre pássaros,
um dia passo inteiro para lá.
OS ILHÉUS
Uma sombra pode vir do céu,
imponderável como as nuvens
e cair no dia feito um véu
ou a tampa de um ataúde.
E nada impede que se afundem
neo-Atlântidas e arranha-céus
ou que nossas cidades-luzes
submersas se tornem mausoléus.
Em arquipélagos, os ilhéus
pisarão ruínas ao lume
do mar, maravilhados e incréus
e devotados a insolúveis
questões, espuma, areia, fúteis
e ardentes caminhadas ao léu.
PALAVRAS ALADAS
Os juramentos que nos juramos
entrelaçados naquela cama
seriam traídos, se lembrados
hoje. Eram palavras aladas
e faladas não para ficar
mas, encantadas, voar. Faziam
parte das carícias que por lá
sopramos: brisas afrodisíacas
ao pé do ouvido, jamais contratos.
Esqueçamo-las, pois, dentre os atos
da língua, houve outros mais convincentes
e ardentes sobre os lençóis. Que esses,
em futuras noites, em vislumbres
de lembranças, sempre nos deslumbrem.
PERPLEXIDADE
Não sei bem onde foi que me perdi;
talvez nem tenha me perdido mesmo,
mas como é estranho pensar que isto aqui
fosse o meu destino desde o começo.
PRESENTE
Por que não me deitar sobre este
gramado, se o consente o tempo,
e há um cheiro de flores e verde
e um céu azul por firmamento
e a brisa displicentemente
acaricia-me os cabelos?
E por que não, por um momento,
nem me lembrar que há sofrimento
de um lado e de outro e atrás e à frente
e, ouvindo os pássaros ao vento
sem mais nem menos, de repente,
antes que a idade breve leve
cabelos sonhos devaneios,
dar a mim mesmo este presente?
QUASE
Por uma estranha alquimia
(você e outros elementos)
quase fui feliz um dia.
Não tinha nem fundamento.
Havia só a magia
dos seus aparecimentos
e a música que eu ouvia
e um perfume no vento.
Quase fui feliz um dia.
Lembrar é quase promessa,
é quase quase alegria.
Quase fui feliz à beça
mas você só me dizia:
“Meu amor, vem cá, sai dessa”.
SAIR
Por uma estranha alquimia
(você e outros elementos)
quase fui feliz um dia.
Não tinha nem fundamento.
Havia só a magia
dos seus aparecimentos
e a música que eu ouvia
e um perfume no vento.
Quase fui feliz um dia.
Lembrar é quase promessa,
é quase quase alegria.
Quase fui feliz à beça
mas você só me dizia:
“Meu amor, vem cá, sai dessa”.
STROMBOLI
Dormes,
belo.
Eu não, eu velo
enquanto voas ou velejas
e inocente exerces teu império.
Amo: o que é que tu desejas?
Pois sou a noite, somos
eu poeta, tu proeza
e de repente exclamo:
Tanto mistério é,
tanta beleza.
3H47
Bem que Horácio dizia
preferir dormir bem
a escrever poesia.
VALEU
Vida, valeu.
Não te repetirei jamais.