O Coala Festival começa na próxima sexta-feira (6), no Memorial da América Latina, em São Paulo. Em entrevista exclusiva à Alpha FM, o sócio-fundador e curador do evento Gabriel Andrade falou em “maior programação da vida” para esta edição de 10 anos.
Adriana Calcanhoto, Arnaldo Antunes, Lulu Santos, Os Paralamas do Sucesso, Lenine e João Bosco são algumas das atrações nos três dias de festa. Ainda há ingressos disponíveis no site.
Gabriel Andrade considera que o Coala inovou ao trazer ícones da “MPB” para dentro dos festivais e pôde misturar gerações ao agregar também os novos talentos. Ele, contudo, criticou a dinâmica atual do mercado de festivais, citando uma grande competição por artistas.
“Está todo mundo antecipando tudo, as pessoas estão lançando o line-up com um ano de antecedência, isso nunca foi assim”, contou à Alpha. Isso, segundo ele, já faz a organização pensar no Coala Festival de 2025 sem que o desse ano tenha acontecido. Veja a íntegra da entrevista abaixo.
Por que o Coala existe e de que forma ele se posiciona em relação a outros festivais?
O Coala surgiu em 2014 para ser um grande palco para a música brasileira, esse é o nosso propósito. Isso era uma época que a maioria dos festivais estava olhando para a cena internacional. Pelo menos na cidade de São Paulo, não tinha quase nenhum festival só de música brasileira, e a gente surgiu com esse olhar. A gente se propôs a olhar para uma cena que quase ninguém estava olhando, que era realmente as coisas mais incipientes que estavam acontecendo na época.
É que hoje são coisas midstream (nem estourado, nem desconhecido), na época eram coisas indie. Criolo, O Terno, 5 a Seco, Trupe Chá de Boldo, Charlie e Os Marretas, Tom Zé. Então, já tinha essa coisa dessa nova geração que estava surgindo e já reverenciando os grandes nomes da música brasileira, no caso o Tom Zé. O Coala é uma síntese da música brasileira contemporânea.
A gente não se prende a gêneros musicais, tenta abarcar toda a pluralidade que a música brasileira tem, de diversos estilos, ritmos, localidades diferentes. A gente também se propõe a representar essa transição da música do século 20 para o século 21, e essas gerações se encontram no festival.
Quase todos os clássicos a gente já fez: Caetano, Gil, Bethânia, Gal, Djavan, Ney, Tom Zé, Elza, Alceu, Novos Baianos, Milton. E essa abertura de caminhos para essa nova geração que a gente precisa renovar a música brasileira, a gente precisa de novos headliners, oxigenar o mercado para carregar esse legado para os próximos 100 anos.
Com quanto tempo de antecedência vocês começam a pensar na programação?
Até o pré-pandemia, por exemplo, se eu fizesse o festival em setembro, eu ficava meio tranquilo até janeiro, começava a pensar em janeiro. Hoje em dia, eu já estou pensando em 2026, é tipo isso, não tem como mais. Você tem que estar mais de um ano à frente, porque tem tantos festivais acontecendo, a competição é tão grande pelos mesmos artistas, que, se você demorar, você fica sem.
É uma coisa que eu acho ruim, eu acho essa dinâmica do mercado muito ruim. Está todo mundo antecipando tudo, as pessoas estão lançando o line-up com um ano de antecedência, isso nunca foi assim. Antes, o festival era em setembro, e eu lançava o line-up em julho e tudo bem, ninguém reclamava, não tinha nenhum problema, era normal.
Eu achava melhor essa dinâmica, porque nesse período todo que você está pensando a programação vários discos são lançados. Se você programa tudo antes, aparece um monte de coisa legal. Às vezes, você está lá com a programação fechada, sai um monte de coisa legal e já não dá mais tempo de colocar. Então, apesar de achar muito ruim, a gente já está programando 2025, já antes de acontecer o festival de 2024.
O público se acostumou mal?
O próprio mercado criou essa dinâmica e o público, agora, acha que isso é o normal, normal é festival soltar line-up um ano antes. A gente esse ano demorou para soltar line-up também, porque é a maior programação da nossa vida, a gente nunca colocou tanta coisa no festival.
Como tem muita coisa acontecendo, às vezes você tem um artista que você programou só que você não pode anunciar, porque ele tem um show em outro festival, um show na cidade de São Paulo. Para você conseguir juntar a agenda de todo mundo e conseguir a liberação de todo mundo para anunciar aquilo full, às vezes demora mesmo.
Esse ano eu sofri muita pressão, rolou com o Coala isso esse ano. As pessoas, por a gente demorar, acharem que não ia rolar, porque está tendo um monte de festival cancelado. Esse ano e o ano passado estão sendo difíceis para o mercado, e o público está ligado. Qualquer coisinha, a galera já acha que vai dar ruim.
Que balanço você faz desses 10 anos de Coala Festival?
A gente nunca criou o Coala para ser um negócio, sempre foi um projeto paralelo nosso, uma coisa que a gente fazia por amor. Hoje, é nossa vida, nossa vida é isso, a gente trabalha 100% com isso, é o nosso negócio. Mas, pensando na ideia que a gente teve quando a gente criou, e a despretensão, e onde chegou é uma coisa surpreendente.
A gente nunca imaginou que ia crescer tanto e, não só o crescimento do festival, mas tudo que a gente fez e acho que tem um legado. Então, acho que o Coala inaugurou um novo jeito de fazer festival no Brasil. Não só na curadoria, que eu acho que tem um olhar, à época, era um olhar muito novo para a curadoria de festival.
A gente fez coisas que não faziam sentido antes no mundo dos festivais. Tipo assim, Milton Nascimento em festival, as pessoas achavam esquisito, essa galera não estava rodando em festival. Então, tem esse legado, desse olhar para essa geração toda.
Eu acho que tem um legado de produção também. O Coala, eu brinco que quando a gente criou, a gente tinha mais referência do que não fazer do que do que fazer. Porque festival tem esse estigma de perrengue, de ter fila, show que atrasa, difícil de chegar, difícil de ir embora. A gente falou, a gente quer ser o contrário disso. Então, tem esse legado de vamos fazer um festival menor, para no máximo 15 mil pessoas, bem feito, fácil de chegar, fácil de ir embora, cerveja gelada, shows no horário.
E tem também o legado de tudo que a gente fez para além do festival, os discos que a gente lançou, as campanhas que a gente fez, agora o Coala em Portugal. Então, para mim o balanço dos 10 anos é uma trajetória muito incrível, construída aos poucos, mas sempre sabendo para onde de vai. Agora, difícil saber como vão ser os próximos 10.
Qual o simbolismo do evento ser sempre no Memorial da América Latina?
O Memorial era um lugar que não estava sendo muito explorado para fazer festival na época. Depois rolaram vários lá, e a gente está há dez anos. E é simbólico, porque é isso, é o Memorial da América Latina, está no nome. Acho acho que tem tudo a ver a gente ser um festival de música brasileira, um festival feito na América Latina, no Memorial da América Latina.
O que você acha da portaria do governo federal que obriga distribuição gratuita de água nos grandes eventos?
A gente distribui água de graça desde 2017 ou 2018. Só que a gente sempre uniu isso com patrocínio. Então, isso é uma ação de patrocinador, os patrocinadores bancam essa a ação de distribuição de água de graça. Eu acho incrível distribuir água de graça, porque você reduz ocorrência, menos pessoas passam mal e isso, às vezes, até ajuda no seu ticket médio. Porque as pessoas elas estão hidratadas, elas aguentam mais, elas têm mais energia, passam mais tempo dentro do festival.
Mas eu acho que é uma iniciativa que ela tem uma premissa legal, mas ela pode ser muito complicada. Por exemplo, quando você pensa em eventos gigantescos, como o São João, de vários dias, com 200 mil pessoas. Não sei, se talvez deveria ter um subsídio do governo. A ideia é legal, mas a execução pode ser complicada.