Quando o Titãs anunciou o retorno da formação clássica aos palcos, ainda em novembro de 2022, Nando Reis opinou em coletiva de imprensa: “A música que nós fizemos juntos não é apenas atemporal. Ela se comunica perfeitamente com o mundo de hoje e comigo”. E ele estava certo.
Na última quinta-feira (21), a banda, formada também por Branco Mello, Arnaldo Antunes, Paulo Miklos, Sérgio Britto, Charles Gavin e Tony Bellotto, tocou no Allianz Parque, como parte da turnê “Titãs Encontro – Pra Dizer Adeus”. Foi o quarto show do grupo no estádio neste ano – e ainda terão mais dois. Uma marca histórica, já que conseguiram lotar o local em todas as vezes, reunindo, ao todo 300 mil pessoas.
A apresentação é um mergulho profundo ao passado, com um olhar extremamente atento ao presente. A estrutura (cujo design da iluminação superior em octógonos lembra o da “End of The Road Tour”, do Kiss) e os telões tecnológicos de LED mostram a passagem e a evolução do tempo, ao passo em que complementam a competência e a atualidade do grupo, mesmo que formado na década de 80.
Surgida em 2005, a banda Garotas Suecas abriu a programação do dia. O grupo voltado ao alternativo tocou faixas de seu mais recente disco, “1 2 3 4”, e descreveu como uma honra o fato de poder performar antes do Titãs. Irina Bertolucci, tecladista e vocalista, disse que veria o show da atração principal da plateia e, de fato, deslocou-se para a pista VIP.
Já falando das estrelas da noite, Titãs, ao longo de 2h40 de espetáculo, todos os membros e as diferentes gerações presentes na plateia se sentiram em casa. Desde a faixa etária adulta que vivenciou de perto o surgimento dos ícones, até as crianças e adolescentes que foram apenas fazer companhia aos pais. A performance é pensada para que qualquer um tenha um bom momento e se divirta, independente da idade.
O repertório mudou em relação às datas anteriores no local, devido à inclusão de “O Que”, “AA UU”, “Querem Meu Sangue”, “Domingo” e “Será Que é Isso Que Eu Necessito?”. Para o início, os músicos optaram por criar um mistério, com os telões em branco, deixando que suas sombras ganhassem destaque. Além do som potente, o palco ficou tomado por escadas, desenhos cenográficos e imagens imersivas de dentro do palco, transmitidas ao fundo e aos lados. Todos os integrantes interagiam muito com as câmeras e com os outros colegas, acolhendo até quem estava mais ao fundo.
“Diversão”, como de praxe, deu início à festa, seguida (não exatamente nesta ordem) por “Lugar Nenhum”, “Desordem”, “Homem Primata” (com direito a vocais a capella de Britto e dueto com o público) e “Tô Cansado” – quando Mello assumiu o protagonismo.
Nos últimos anos, o baixista passou por cirurgias a fim de tratar um câncer, que modificaram a sua voz, a tornando mais rouca – à la Ratos de Porão e Sepultura, como já brincaram os próprios colegas. “Eu estou muito feliz por estar aqui, nesse palco, com os meus amigos, amigos de uma vida toda. Muito feliz também por ter feito uma, duas, várias cirurgias e estou aqui, cantando, falando com a minha nova voz”, comentou. Sua resiliência, evidenciada a todo instante, foi mencionada pelo parceiro, Gavin, após “Cabeça Dinossauro” – hit que ganhou um solo de bateria.
Quem mostrou emoção também foi Nando: “Nem nos meus melhores sonhos eu poderia imaginar que, quando começamos, há 41 anos, nós reencontraríamos aqui em São Paulo, nesse estádio, diante de tanta gente, para tocar essas pessoas que ainda fazem todo sentido”, pronunciou antes de “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas” e “Nome aos Bois”, quando soltou uma sonora e caricata risada.
Depois de muita pedrada, chegou a vez de imagens de arquivo aparecerem e, então, do set acústico. Diminuindo a intensidade, “quebrada” pelos violões e cadeiras dispostas, vieram “Epitáfio” (no piano, com os fãs acendendo as lanternas dos celulares e levantando as mãos), “Os Cegos do Castelo” (dedicada por Nando para a esposa Vânia), “Pra Dizer Adeus” e “Toda Cor” e “Não Vou me Adaptar”, ambas com a participação de Alice Fromer, filha do saudoso Marcelo Fromer – integrante do grupo, que faleceu em 2001 após um atropelamento. O intuito era “celebrar o Marcelo pela presença da Alice”, o que carregou simbolismo.
Aliás, vale destacar que cada integrante tem uma personalidade e um senso de moda únicos. Antunes ficou marcado pelas dancinhas, pernas para o alto e movimentos performáticos, assim como Miklos, extremamente carismático, fazendo caras e bocas no saxofone e mandando vários beijos para a plateia. Já Gavin, que vestia uma blusa do Sepultura, entregou uma performance enérgica na bateria, assim como Bellotto, sorridente na guitarra. Britto demonstrou domínio sobre o público e força, da mesma forma que Mello – muito ovacionado – , enquanto Reis, mais classudo, também arrancou reações entusiasmadas.
Liminha, ex-baixista d’Os Mutantes e produtor, ofereceu suporte aos músicos, executando as partes originalmente de Fromer. Após ter sido apresentado por Bellotto, o instrumentista contou que ensaiava com seu antigo grupo na Pompeia e que, para a faixa “Família”, usaria uma guitarra de Fromer trazida diretamente de Portugal. Outra história curiosa veio de Miklos, que revelou usar as piscinas na parte de trás ao estádio no passado.
Seguindo, vieram canções como “32 dentes”, “Televisão”, “Polícia” (com trecho de “Acorda Maria Bonita” e Bellotto cobrindo o rosto com um lenço) e “Bichos Escrotos”. Antes do bis, Nando Reis incentivou a plateia a pedir mais músicas, que gritou em uníssono por “mais um”. Como encerramento, a banda performou “Miséria”, “Marvin” e “Sonífera Ilha” – com movimentos na perna sincronizados dos integrantes e até um momento “estátua”. Segurando uma bandeira LGBTQUIA+ e com agradecimentos expressados por gestos, as estrelas deixaram o palco ao som de “A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana”.
Segundo levantamento do Spotify, o Titãs apareceu entre os artistas brasileiros de rock mais escutados na plataforma brasileira entre janeiro e junho de 2023 – especificamente em quarto lugar. No mesmo período, passou por um aumento de 115% em buscas e de 60% em reproduções.
Miklos, em entrevista ao Portal da Floresta, já havia pontuado: “O rock está presente. Mais uma vez estão decretando a morte do rock’n’roll. Essa é uma coisa cíclica, mas se há algo resistente é o rock”. Presenciar o Titãs tocando para uma multidão de fãs em plena quinta-feira, definitivamente, dá esperança para o futuro do gênero no país.
Esse ainda não foi o fim da estrada, apesar do clima de despedida. Depois da capital paulista, o Titãs toca em Florianópolis, no dia 28, e no réveillon de Fortaleza. Por fim, em março de 2024, os integrantes sobem ao palco do Lollapalooza, novamente em São Paulo. Ao Estadão, Paulo comentou que o festival “será um grande desfecho”.
Setlist – Titãs em São Paulo
Diversão
Lugar nenhum
Desordem
Tô cansado
Igreja
Homem primata
Será que é isso o que eu necessito?
Nem sempre se pode ser Deus
Estado violência
O pulso
Comida
Jesus não tem dentes no país dos banguelas
Nome aos bois
Eu não sei fazer música
Cabeça dinossauro
Epitáfio
Os cegos do castelo
Pra dizer adeus
Toda cor (com Alice Fromer)
Não vou me adaptar (com Alice Fromer)
Família
Querem meu sangue
Go Back
É preciso saber viver (Roberto Carlos cover)
Domingo
Flores
32 dentes
O quê
Televisão
Porrada
Polícia
AA UU
Bichos escrotos
Miséria
Marvin
Sonífera ilha