Se hoje Rita Lee, Joyce, Marisa Monte, Adriana Calcanhoto, Fátima Guedes e tantas outras são reconhecidas, nem sempre a história foi tão generosa com as compositoras brasileiras. Até que ponto conhecemos as canções escritas por mulheres antes de 1960? A inquietação da cantora e compositora Denise Mello resultou no livro “A Mulher na Canção: a composição feminina na Era do Rádio”. A obra conta a trajetória de 15 compositoras brasileiras que atuaram entre 1920 e 1960 e suas lutas contra o machismo, a homofobia e o racismo. Em entrevista para a Alpha, Denise contou um pouco mais do processo de escrita, além de suas motivações para criar o livro.
“Eu comecei escolhendo essas 15 compositoras já no meu TCC", relata Mello, pós-graduada em Canção Popular na FASM (Faculdade Santa Marcelina), "Fui encontrando através de uma grande pesquisadora, Carolina Murgel. Fui descobrindo e indo atrás delas, então depois quando eu escolhi as 15 eu fui encontrando muito mais. Mas de qualquer forma, eu achei bacana, porque o livro ficou de alguma forma variado, tem compositoras instrumentistas, tem compositoras compositoras e atrizes, a grande maioria são de cantoras. Então eu fui me encantando com as histórias e pesquisando”, conta.
Além disso, a violonista, contou que espera que o trabalho continue e que a pesquisa sobre as compositoras brasileiras nunca pare. “Está tudo catalogado, para que no futuro possa ser ampliado, espero que as pessoas possam contribuir com o livro”.
Entre as personagens da obra estão: Almira Castilho, Dilú Mello, Maysa, Dolores Duran e Carmen Costa, e contém mais de 240 canções, que segundo a autora são bem diversificadas entre os gêneros musicais. “Eu procurei variar os gêneros – porque algumas escreviam só a letras, outras escreviam a melodia – então procurei fazer um apanhado diversificado. Além disso, tem um pouco do meu gosto pessoal também. Sobretudo, foquei na composição da época do rádio, utilizei apenas três fora deste período, para falar do início da composição”.
Uma das motivações de Denise, foi o machismo na indústria da música, que por muito tempo invisibilizou mulheres. Um estudo feito pela USC Annenberg Inclusion Initiative apontou que dos 700 hits de sucesso lançados entre 2012 e 2018 (onde?) 21,7% dos artistas eram mulheres. A coisa piora quando adentramos mais no processo de criação. Apenas 12,3% dos compositores eram mulheres.
“Por questão do preconceito, durante anos a mulher foi muito prejudicada. Se agora já é difícil, é complicado imaginar como era antes, lá em 1960. No começo do livro, falo sobre o fato de que as mulheres não podiam registrar as canções em seu nome e tinham que utilizar um pseudônimo, ou um homem registrava. A mulher ficou com essa representatividade muito prejudicada. Ainda, carregamos esses ‘ranços’ de machismo, as pessoas ainda associam a atividade musical, como algo mais masculino, ainda é um mercado de homens, é algo que precisamos avançar ainda mais”, opina Mello.
Para Denise o livro é acima de tudo uma procura por si mesma na indústria. "Para escrever esse livro eu fui buscar a minha própria voz. Eu sou cantora, compositora, violonista e eu sempre tive dificuldade de me colocar como musicista. Era uma questão de saber se no mercado, outras mulheres vivam a mesma coisa que eu, então eu comecei a pesquisar e a encontrar esse universo todo e pensar “Opa, como assim não tem mulher na composição?”, por que isso não é mostrado? Por que os livros só falam de homens? Quantas mulheres a gente encontra na história da música? São muito poucas e eu comecei a ficar indignada e pensar “quero pesquisar sobre isso”.
O livro contará com uma tarde de autógrafos da escritora, nos dias 22 e 29 de maio das 16h às 20h, no Antiquário Bar e Café, na Vila Mariana. A autora fará uma breve explanação sobre o livro e cantará trechos de canções. A versão online poderá ser baixada gratuitamente, por tempo limitado, após o lançamento, as vendas acontecem oficialmente no dia 22 de maio