Bob Dylan é um artista que transcende o mero status de músico, estabelecendo-se como uma verdadeira entidade da cultura popular. Reconhecido como o melhor compositor de todos os tempos pela revista Rolling Stone, Dylan acumula prêmios como Grammys, Oscar e Globo de Ouro, mas, primordialmente, em 2016, o músico se tornou o primeiro a ser laureado com o Prêmio Nobel de Literatura.
“Um Completo Desconhecido”, o novo longa de James Mangold, assume o árduo desafio de retratar a trajetória de um dos músicos mais influentes da história. Capturar a grandiosidade de sua carreira, mantendo o caráter enigmático que Dylan sempre apresentou ao público, não é uma tarefa trivial.
Entretanto, o propósito de “Um Completo Desconhecido”, como o próprio título ironicamente sugere, não é desmistificar a figura de Bob Dylan. Mas, então, o que James Mangold quer transmitir ao público com sua nova obra? Entenda!
Como “Um Completo Desconhecido” constrói a história de Bob Dylan?
“Um Completo Desconhecido” adapta a obra literária de Elijah Wald, “Dylan Goes Electric!: Newport, Seeger, Dylan, and the Night That Split the Sixties”. Assim, o longa-metragem segue a mesma premissa do livro de Wald: ambientar os primórdios da carreira de Dylan – e suas subsequentes influências musicais – mas, sobretudo, dar enfoque à mudança sonora promovida por Dylan em 1965, em que o artista transita do folk tradicional e acústico para a música instrumentalizada por equipamentos elétricos.
Dessa forma, o longa de Mangold mergulha, essencialmente, na identidade artística de Bob Dylan e seus consequentes impactos na indústria musical, não propondo revelar o homem por trás do “enigma”.
Por conseguinte, compreendemos as referências musicais de Dylan, que incluem seus heróis na indústria, destacando o notável Woody Guthrie e Pete Seeger – este último, que atuou como um mentor em sua carreira e é interpretado magistralmente por Edward Norton. Também exploramos os impactos de seus relacionamentos pessoais, como seu vínculo com sua musa Suze Rotolo, que no filme é ficcionalizada e recebe o nome de Sylvie Russo, vivida por Elle Fanning, repleta de singeleza e ingenuidade.
Analogamente, é apresentada ao espectador a interseccionalidade do produto lírico de Bob Dylan e o contexto sócio-político de sua época – os anos 60. Assim, eventos e movimentos sociais do mundo exterior, como a Guerra Fria, a crise dos mísseis de Cuba, o assassinato do presidente John F. Kennedy, a luta pelo fim da segregação racial e o macarthismo tornam-se quase personagens na produção.
Do mesmo modo, um dos grandes triunfos de “Um Completo Desconhecido” é a ambientação do período temporal no qual a obra se passa. O design de produção, sob a assinatura de François Audouy, trabalha com autenticidade, referencialidade e simbolismo, fugindo da generalização e da banalidade estética dos anos 60. Em convergência, o longa, que foi gravado digitalmente, tem um inovador trabalho de pós-produção que transforma o digital em filme negativo original, trazendo às telas uma captura texturizada, dinâmica e legítima da década em que o filme se passa.
Outrossim, o real destaque do filme de Mangold é Timothée Chalamet, ator que dá vida a Bob Dylan com uma interpretação despretensiosa e, mais importantemente, que evita cair em uma imitação caricata do artista. Chalamet, que aprimorou as técnicas do violão e da gaita para viver Dylan, foca em capturar a essência do músico, ao invés de parodiar sua visão do mesmo, promovendo a imagem de um artista complexo, elusivo e que, por sua essência, é inerentemente repleto de questionamentos.
Com “Um Completo Desconhecido”, Timothée se consolida como um dos mais talentosos atores de sua geração, tendo interpretado um adolescente dependente de substâncias ilícitas em “Beautiful Boy”, o confeiteiro excêntrico Willy Wonka em “Wonka”, o messias de Arrakis em “Duna”, entre outros; o ator como Bob Dylan só se prova um dos mais versáteis intérpretes em Hollywood.
Ao seu lado, Monica Barbaro, que dá vida a Joan Baez – com quem Dylan se envolveu durante sua carreira – também impressiona, balanceando a fluidez e a intensidade de sua personagem, e não se intimidando pela magistralidade de sua contraparte.
No entanto, os atores não têm muito espaço para expandir cenicamente, já que o roteiro se limita a retratar acontecimentos, sem analisar os comportamentos, os porquês e poréns de seus personagens. Portanto, o longa, roteirizado por Mangold e Jay Cooks, se restringe a ser bem estruturado e coeso, não propondo nada de novo para o gênero cinebiográfico e, também, não fugindo de seus clichês, embora execute esses elementos de maneira competente e eficaz.
Assista ao trailer de “Um Completo Desconhecido”
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