Estar nos palcos e ser a única mulher naquele espaço incomodava a baterista Julie Sousa, do Rio de Janeiro. O predomínio masculino na música motivou a criação da Hi Hat Girls em 2012, uma oficina de bateria gratuita para garotas, a fim de tentar mudar esse cenário.
Quando a pandemia do novo coronavírus começou em 2020, as aulas presenciais ficaram de escanteio e Julie teve tempo livre para tirar outro projeto do papel, provocado pelo mesmo descontentamento. Junto a profissionais do mercado da música, a musicista ministra um curso de music business só para mulheres: TREINAM, Turma Remota de Ensino Intensivo para Artistas Mulheres.
Como funciona a TREINAM?
A TREINAM ajuda mulheres que entraram recentemente no universo da música. “A exigência para participar é se identificar como mulher, ter mais de 18 anos e estar no início de carreira. Acolhemos todos os cantos do Brasil”, explica Julie.
As aulas acontecem on-line e ao vivo e abordam tópicos musicais distintos: há módulos sobre gestão de carreira, comunicação, mercado e marketing. Além de Julie, Izabel Muratt (produtora executiva), Nathalia Moura (publicitária), Isis Correia (jornalista) e Dride (designer) integram o time fixo de mentoras do curso.
Como forma de enriquecer o conteúdo, os encontros virtuais têm também a colaboração de mulheres experientes do mercado. “Para falar de direitos autorais, a gente chama a Paula Novo, que é do Ecad. Para falar do papel de uma editora musical, a gente chama a Flávia César, responsável pela sincronização de música na Warner Music”, relata.
MC Carol, por exemplo, participou de uma aula especial, na qual respondeu às perguntas das mentoradas sobre viver de música no Brasil. “Tem meninas que não tem estímulo nem das suas próprias famílias. Então ver uma figura que talvez tenha passado pelas mesmas situações e chegou num momento legal da sua carreira, é uma referência”.
Ao final do curso, as alunas realizam um pitch, uma breve apresentação, com o intuito de vender seus trabalhos para agentes reais da música, um diferencial da TREINAM, segundo Julie. Ano passado, o Itaú Cultural contratou algumas das participantes para shows em sua plataforma após acompanhar as apresentações.
Outras ações são colocadas em prática ao longo do intensivo. No Spotify, há playlists públicas com músicas das alunas, para que conheçam o trabalho uma da outra. Já internamente, existe uma planilha de lançamentos organizada pelas artistas e divulgada pelas mentoras.
Julie ressalta que, apesar de possuir marcas parceiras, o projeto encontra dificuldades no quesito financeiro. “A TREINAM nunca foi sobre ganhar dinheiro, é uma causa acima de tudo. Mas acreditamos que pela qualidade do conteúdo e do treinamento, precisaríamos de um investidor que acreditasse no projeto, para que a gente pudesse fazer mais e melhor”.
Mulheres no mercado musical
Homens e mulheres vivenciam situações opostas no mercado musical. Os artistas de sexo masculino conseguem posições de maior destaque e ganham cachês mais altos, como indica a lista dos dez músicos mais bem pagos de 2021 da revista norte-americana Rolling Stone. Taylor Swift é a única mulher que aparece no ranking, em último lugar.
“As coisas estão mudando, mas muito gradualmente. Anos atrás a gente nem falava sobre isso e hoje o fato de falarmos e termos algumas ações no nosso mercado que têm esse recorte de gênero é um salto”, afirma Julie.
Conforme dados da ONG Women in Music, as mulheres ocupavam em 2019 apenas 30% do setor musical no mundo. Um dos objetivos da TREINAM é mostrar essa diferença entre os gêneros na indústria. “Acreditamos que, através de ações como a TREINAM, conseguiremos cutucar o mercado e pessoas que têm o poder de contratar mulheres para determinadas áreas ou shows. Precisamos, mais do que falar, de ações para reverter isso. Nossa ação é um grãozinho de areia, mas é o que a gente pode contribuir para minimizar esse gap”.