Mario Vargas Llosa (1936–2025) foi um dos escritores mais influentes da literatura hispano-americana e mundial. Nascido em Arequipa, Peru, ele se destacou por sua vasta obra que abrange romances, ensaios, peças teatrais e colunas jornalísticas, explorando temas como o poder, a liberdade e a condição humana. Em reconhecimento à sua contribuição para a literatura, recebeu diversos prêmios, incluindo o Nobel de Literatura em 2010, o Prêmio Cervantes em 1994 e o Príncipe de Astúrias em 1986 .
Vargas Llosa faleceu ontem, 13 de abril de 2025, aos 89 anos, em Lima, deixando um legado literário e intelectual que continua a influenciar leitores e escritores em todo o mundo.
Conversa no Catedral (1969)
Conversa no Catedral (1969) é amplamente considerada uma das obras mais ambiciosas e complexas de Mario Vargas Llosa, e frequentemente apontada como sua obra-prima. O próprio autor afirmou que, se tivesse que salvar apenas um de seus livros do fogo, escolheria este.
Ambientado no Peru durante a ditadura do general Manuel A. Odría (1948–1956), o romance utiliza como ponto de partida uma conversa entre Santiago Zavala, conhecido como Zavalita, um jornalista desencantado e filho de um influente empresário, e Ambrosio, ex-motorista da família. Esse encontro ocorre no bar La Catedral, um local decadente em Lima, e serve como fio condutor para uma narrativa que mergulha nas memórias e reflexões dos personagens sobre o passado político e pessoal.
A estrutura do livro é notável por sua complexidade: múltiplas vozes narrativas se entrelaçam, com histórias e diálogos ocorrendo em diferentes tempos e espaços, exigindo atenção constante do leitor para acompanhar as transições temporais e os diversos pontos de vista. Essa técnica narrativa reflete o caos e a fragmentação da sociedade peruana da época.
Além de sua crítica sociopolítica, o livro também é uma meditação sobre a memória, a identidade e a busca por sentido em um mundo marcado pela opressão e pela decadência moral. Através de sua narrativa intricada e personagens profundamente humanos, Vargas Llosa oferece uma visão penetrante das complexidades da condição humana em tempos de crise.
Pantaleão e as Visitadoras (1973)
Pantaleão e as Visitadoras (1973) é uma das obras mais satíricas e provocativas de Mario Vargas Llosa, na qual o autor combina humor, crítica social e uma narrativa envolvente para explorar as contradições da moralidade institucional.
A trama gira em torno do capitão Pantaleón Pantoja, um oficial exemplar do Exército peruano, conhecido por sua disciplina e integridade. De forma inesperada, ele é designado para uma missão confidencial: organizar um serviço de prostitutas — as “visitadoras” — para atender às necessidades sexuais dos soldados destacados na selva amazônica. A justificativa oficial é reduzir os casos de violência sexual cometidos pelos militares contra as mulheres locais.
Inicialmente relutante, Pantoja acaba aceitando a tarefa e, com seu rigor militar, transforma o Serviço de Visitadoras para Guarnições, Postos de Fronteira e Afins (SVGPFA) em uma operação altamente eficiente. Ele mantém a missão em segredo, inclusive de sua esposa, e adota trajes civis para preservar a discrição.
Vargas Llosa utiliza o absurdo da situação para satirizar a burocracia militar e a hipocrisia moral. O autor constrói a narrativa intercalando relatórios oficiais, cartas e transmissões de rádio, o que confere realismo e ironia à história. A eficiência do serviço, paradoxalmente, expõe as falhas e contradições das instituições que pretendia beneficiar.
Baseado em fatos reais que Vargas Llosa conheceu durante viagens à selva peruana, o romance é uma crítica mordaz às instituições que, sob o pretexto de manter a ordem, perpetuam práticas questionáveis. A obra foi adaptada para o cinema em 2000, ampliando seu alcance e reafirmando sua relevância na discussão sobre poder, moralidade e hipocrisia social.
Travessuras da Menina Má (2006)
Travessuras da Menina Má (2006) é um dos romances mais envolventes de Mario Vargas Llosa, no qual o autor peruano explora as nuances do amor obsessivo e da identidade em constante transformação.
A narrativa acompanha Ricardo Somocurcio, um jovem peruano que realiza seu sonho de viver em Paris como tradutor da UNESCO. Sua vida toma rumos inesperados quando reencontra Lily, a “menina má” de sua adolescência em Lima. Ao longo de quase quatro décadas, os caminhos de Ricardo e da enigmática Lily se cruzam repetidamente em cidades como Paris, Londres, Tóquio e Madri. Lily, sob diferentes identidades e motivações, sempre mantém uma postura distante e pragmática, enquanto Ricardo permanece fiel ao seu amor, mesmo diante de desilusões e traições.
Além da história de amor, o romance oferece um retrato das transformações sociais e políticas da segunda metade do século XX. Vargas Llosa utiliza os encontros do casal para explorar eventos históricos e mudanças culturais, desde a Paris revolucionária dos anos 1960 até a Madri em transição política nos anos 1980. Essa ambientação rica proporciona ao leitor uma imersão nas diferentes épocas e locais que moldam a trajetória dos personagens.
Travessuras da Menina Má é uma leitura que desafia o leitor a refletir sobre os aspectos mais profundos das relações humanas, destacando-se como uma obra significativa na literatura contemporânea.
A Guerra do Fim do Mundo (1981)
A Guerra do Fim do Mundo (1981) é uma das obras mais ambiciosas de Mario Vargas Llosa, marcando sua primeira incursão literária fora do Peru. Neste romance histórico, o autor peruano reconstrói a Guerra de Canudos, conflito ocorrido no final do século XIX no sertão da Bahia, Brasil, liderado por Antônio Conselheiro.
Inspirado pelo clássico brasileiro Os Sertões, de Euclides da Cunha, Vargas Llosa realizou extensas pesquisas e viagens ao sertão baiano para capturar a complexidade do episódio. A narrativa entrelaça personagens históricos e fictícios, oferecendo uma visão multifacetada dos eventos e das motivações dos envolvidos.
A trama explora temas como fanatismo religioso, desigualdade social e o confronto entre tradição e modernidade. Através de uma estrutura narrativa rica e detalhada, o autor apresenta o cerco de Canudos pelas forças republicanas, destacando a resistência dos sertanejos e a brutalidade do conflito.
Considerado por muitos como uma das maiores realizações de Vargas Llosa, A Guerra do Fim do Mundo é um épico que transcende fronteiras nacionais, oferecendo uma reflexão profunda sobre os extremos da fé e da política.
Tia Júlia e o Escrevinhador (1977)
Tia Júlia e o Escrevinhador (1977) é uma das obras mais originais e divertidas de Mario Vargas Llosa, combinando elementos autobiográficos com uma estrutura narrativa inovadora. Ambientado na Lima dos anos 1950, o romance acompanha a vida de Marito, um jovem de 18 anos aspirante a escritor, que trabalha em uma rádio local e se apaixona por sua tia por afinidade, Júlia, uma mulher boliviana recém-divorciada e catorze anos mais velha.
Paralelamente, a história apresenta Pedro Camacho, um excêntrico roteirista boliviano contratado pela rádio para escrever radionovelas. À medida que Camacho se dedica intensamente à produção de suas histórias, sua sanidade começa a deteriorar-se, resultando em enredos cada vez mais caóticos e personagens que se confundem entre si.
O romance alterna capítulos que narram a vida de Marito e Júlia com os textos das radionovelas de Camacho, criando um contraste entre a realidade e a ficção. Essa estrutura metalinguística permite a Vargas Llosa explorar temas como o processo criativo, a influência da ficção na vida real e a linha tênue entre sanidade e loucura.
Baseado em experiências pessoais do autor, incluindo seu relacionamento com Julia Urquidi, que mais tarde escreveu suas memórias intituladas Lo que Varguitas no dijo, o livro oferece uma reflexão sobre a juventude, o amor e a busca pela identidade. A obra foi adaptada para o cinema em 1990, no filme Tune in Tomorrow, estrelado por Keanu Reeves e Peter Falk.
A Festa do Bode (2000)
A Festa do Bode (2000) é um dos romances mais impactantes de Mario Vargas Llosa, no qual o autor peruano mergulha na história recente da América Latina para retratar a brutal ditadura de Rafael Leónidas Trujillo na República Dominicana. A obra é estruturada em três núcleos narrativos que se entrelaçam para oferecer uma visão multifacetada do regime trujillista:
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Trujillo: O próprio ditador é retratado em seus últimos dias de vida, revelando suas obsessões, paranoias e a decadência física que simboliza a deterioração de seu poder absoluto.
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Os Conspiradores: Um grupo de homens que planeja o assassinato de Trujillo em 1961, expondo os horrores da ditadura e os riscos enfrentados por aqueles que ousaram desafiar o regime.
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Urania Cabral: Uma mulher que retorna à República Dominicana após décadas de exílio para confrontar seu passado e seu pai, um ex-ministro do governo Trujillo, explorando as cicatrizes pessoais deixadas pela tirania.
Vargas Llosa utiliza uma narrativa densa e detalhada para explorar temas como o autoritarismo, a corrupção, a violência de gênero e o impacto psicológico da opressão. Através de personagens complexos e situações realistas, o autor oferece uma crítica contundente aos regimes totalitários e à cumplicidade daqueles que os sustentam.
Considerado um dos romances mais importantes de Vargas Llosa, A Festa do Bode foi amplamente aclamado pela crítica e pelo público, consolidando o autor como um dos principais nomes da literatura mundial.